quinta-feira, 21 de novembro de 2013

E ainda queres morrer?

Vives tuas noites tão densamente!
Por que não te permites provar do sabor
agridoce dos sofrimentos teus?
Ferva-os e faça para ti um bom guisado.
Despenda algum tempo para debruçar-te sobre o prato
e mastigar a inutilidade do sereno noturno
(estampado nas corujas alheias),
junto com suas (des) ilusões e fantasias,
dentro do pouco tempo que nos resta até que o primeiro
feixe de luz nos perturbe os olhos,
voltando a sermos mais do que meros animais;
e regurgitando o que não digeristes, te sentirás melhor.
E (sobre) viverás.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

My Wish to The Stars I Don't See

I wish she wasn't a seasonal bird.
I wish she came to stay at once.
What shall I do, my mates?
Will I lock her inside my heart?
The decision to decide isn't mine.

After all, I wanna her freely flying,
even though it feels like my happiness
is coming and going with the wind.
What a lucky man I'd be, then,
if I could rest permanently on her wings!

Yet, as the rain falls, I cry.
The solitude of waiting is harsh:
reduces me to dust, makes me die
a bit per day, when the slowly sun rises;
a bit per night, when cold lies by my side.

But even in this poorness of soul,
there is one thing to offer
I can securely ensure:
She'll always have a warm nest,
here, into the safety of my arms.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

- 2 -

Meus pensamentos têm sentido,
completos em seu próprio sentido,
um próprio de mim mesmo
que, explicado, não faz sentido.

Preciso recuperá-los...
Preciso recuperar-me...
Eu tenho bom siso...
E pensamento lógico...

(Minto.)

sábado, 21 de setembro de 2013

Buraco Negro

       Carlos se recusava a acreditar. As mudanças só são percebidas em longas passagens de tempo, quando vistas abruptamente. E Carlos havia mudado. Todos perceberam, mas ele não. Todos mentiam, isso sim. Por dentro, ele envolvia-se num enlace de esdrúxulos, e essas imagens significavam uma passível normalidade gélida. Estão mentindo, os desgraçados!, pensava ele. Dava um riso em resposta. Um riso melancólico e insano.
          No dia em que se apresentou estupefato em frente ao espelho, Carlos deu um sopapo em sua própria imagem. Nervoso, perguntou-na no que é que você está fazendo as pessoas acreditarem?... Depois sentou levando a mão ao rosto e os olhos fitos no chão, sentindo-se doído pelo tapa e pela pergunta. Os objetos dirigiam-no um estranho olhar. Também fugiam dele.
          Na semana seguinte, a mãe veio visitá-lo sustentando dentro d' alma ares de médica, como se só dela se pudesse obter cura. Ela chamou a atenção para o controle fora do lugar, o barbeador que estava cego, e também para os ovos, que foram comprados do tipo amarelo.
          Lembrou-se aí de, certa vez, ter dormido fora de casa, bêbado e absorto no veludo e na brisa da madrugada que pesavam como pluma sobre o seu corpo. Relacionava essa sensação de gozo à imagem de bolinhas plácidas sobre uma ferocidade verde. E quando criança, ao visualizar este sentir que o revirava do avesso, levando-o ao chão, sua mãe o mandava levantar logo, que parasse de besteira.
          Naquela fase da sua vida, assim? Suas mãos então penderam do corpo numa regularidade, achando beleza nisso porque confirmava seu engano: quem culpa-se mentindo, pode levantar as mãos aos céus e gritar inocente!; mas a gravidade venceu e conseguiu levar-lhe ao quarto, colocar o espelho em frente da cama, fechar a porta e as janelas e em seguida adormecer, se vendo no escuro.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Muro

(Caminhaste tranquila até o fim.)

Teu corpo agora é parte
de um muro extenso, grosso e mortificado.
És agora tijolo cobreado
que desmancha-se num ponto de fusão,
e a sua alma soa.
A ausência marca teus olhos secos,
teus ossos calcificados,
teus dentes pardos,
teus seios murchos,
teu corpo perfurado.

(O que evapora atravessa o muro.)

Agora um nome lhe caracteriza
e o amor cinge-lhe os ombros.
A terra já não é mais teu firmamento
e o Sol arde com fulgor.
Do outro lado não tremes em sofrimento.
Do outro lado há descanso para teu corpo sofredor.
Do outro lado és escultura de brilhantes.
Do outro lado és alvura eternamente.
Do outro lado executas incansavelmente
a anunciação de uma nova partitura divina.

Verão-Inverno

Outrora encontrava paz nas mãos que me acariciavam,
cujos dedos afundavam-se nos meus cabelos
e cantavam aos meus pensamentos até acalmá-los.
Costume esse que levou-me como uma maresia,
sujeitou-me à tentação dessa calmaria,
cativou-me na leitura das palavras de seus gestos
que povoavam o ar com poesias.

Nessa época, meus sonhos eram como sonhos de sonhos
em que dançávamos como crianças perdidas,
sem medo de errar os passos ou o compasso da música.
Perdíamos a hora e mal percebíamos que amanhecia!
Mas corremos tanto com o tempo que logo cansamos.
E o tempo também cansou.
E ele desistiu.

E parou.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Brinquedos

Com brinquedo se brincava,
hoje em dia não se brinca mais.
Brinquedo que é brinquedo
agora brinca sozinho,
e a criança se diverte só assistindo,
nada mais.


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Falando sem ter ouvidos que me ouçam

Se a confissão poderia me aproximar de ti,
então me distanciarei cada dia mais.
As palavras que procuro, não encontro.
A única coisa que sei é que o amo,
e pensei que o sentimento falasse por si.

Se nem me expressar consigo,
ficaremos assim, como meros conhecidos.
Saberás apenas meu nome,
e eu fingirei que não reparo em sua voz,
que não sou obsesso pelo teu sorriso,
que não penso sempre em você,
que não sinto absolutamente nada,
que não adoro beijar-lhe o rosto
e que, do seu lado, não me sinto nervoso.

Não mais cantarei,
pois as melhores canções sempre acabam.
Não mais colherei rosas,
pois a beleza da flor logo murcha.
E não mais escreverei poemas,
pois, pelo que percebo agora,
o amor não cabe na métrica dos meus versos.

sábado, 31 de agosto de 2013

Tim-Tim!

Juntemo-nos aos
bêbados amantes
que caminham errantes
pelas ruas, em protesto.

Brindemos esta noite
a ausência permanente do siso
e a extração exaustiva do riso
escancarado na face.

Permita-se a si mesma errar
a boca destas taças,
para que contemples a graça
do vinho batizando nosso lar.

Seja esta mancha no chão um marco
da nossa felicidade, tão desmedida,
pois daqui em diante daremos à vida
muita corda, ao invés de cabo!

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Cuco de Parede

O tic-tac do relógio.
O tempo passa.
O meu não...
O meu para.
Para quando as notas
não tocam, se aquietam, meditam...
E saem arranhadas,
de forma sincera,
assim como o coração as expulsa.
Expulsa, repulsa,
pulsa... como...
O tic-tac do relógio.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Lenda do Céu

O cavaleiro finalmente volta a cavalgar,
e vai na esperança de alcançar as terras além-mar.
Como um pobre miserável que busca a paz interior,
o cavaleiro segue incansável pela sua sina com grande temor.

Passa deserto,
passa campina.
Passa pelo bosque coberto
por árvores ferinas.
Também passa, decerto,
pelas rochas alpinas
d' onde desce água cristalina
(abrindo o caminho que leva ao santuário,
no mar, onde a viagem se finda).

Chegando à beira-mar,
é preciso descansar.
O cavaleiro, atento, observa o céu escuro
e as estrelas dele a despencar
(despencam para o horizonte,
às terras além-mar).

Quando o sol se levanta
é sinal para partir -
de cavalo, cavalo-marinho,
para que se possa seguir.

(Chega-se ao santuário:
a morada torneada
pela delicadeza
da bela Musa.)

Enfim, o cavaleiro alcança a paz
ao encontrar nos olhos de sua amada
aquele amparo que lhe é bem familiar -
um céu escuro, mas que brilha mais que o luar.
É porque as estrelas que despencaram do céu
formaram de seus fulgores, o olhar.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Versos da Insônia

Visto meus ouvidos 
com sua voz aveludada 
para aplacar o frio, 
dar apreço ao vazio, 
reverberar a madrugada.

Língua encantada!,

Tornaste-te meu vício, 
minha reza diária, 
que levanto sempre com vontade 
de ouvir-te de novo, 
como pela primeira vez.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

- 1 -

          Sempre foi uma exímia escritora. Balbuciava as palavras e as unia como tecelã. Essa, então, era a sua arte: tecer. Perdida dentro de si ela se tecia, e a si, como adornos, a árvore, a mãe, o azul, a finura, a dissonância, os sabonetes, a cadela, a canção. Era, também, assassina. O branco do papel, de imobilidade inocente, preso ao simplismo, era vítima dessa sua vibração negra e morna. A caneta que ganhara, remetida aos anos primordiais dessa invenção de que primava, era instrumento alheio à sua vontade. (Digo, ao léu.) A ponta da caneta mais do escrevia, riscava. E com o risco, o sangue. E do sangue do papel, e da alma de escritora, as palavras iam aos poucos sobrepujando a brancura, justamente dessa arte escritora de tecer o que parece morto. É possível que tenha escrito mais páginas do que as de sua própria vida? Certamente. Sangue que sai do corpo é sempre um teco de morte, mas a sua nascente é vida. Eis, então, a sua segurança, e já não mais temia: tudo que é morto tem vida. E depois sorria com satisfação, inclinando-se para matar mais uma folha com suas palavras.

P.S.

Há textos
que não me pedem título.
E sou obediente,
não nomeio.
Se não gosto de Exatas,
eis o meu abono:
resolvi numerá-los.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

No Peito de Mariana

Dentro do peito de Mariana
o Universo tinha o tamanho do seu coração.

Nele, sonhos vagavam
em meio às estrelas em nascimento,
enquanto outras morriam por implosão.

Galáxias também surgiam
sem o seu consentimento.

Buracos negros, aos montes, engoliam
as luas, a Lua, e um astronauta em órbita.

Na Terra, cabiam todas as pessoas do mundo,
e no espaço, infinito, cabia de tudo um pouco,
mas em nenhum lugar cabia Mariana.

Com todo esse Big Bang de sentimentos
em constante sede de explosão,
ela sentiu vontade de arrancar o coração fora…

Não deu não:
seu peito de aço eram as próprias mãos de Deus,
protegendo o desequilíbrio ordenado das coisas

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Partida

          Maria José sentou-se no último banco do velho ônibus. Deste modo estaria mais perto da sua casa, e chegaria mais tarde ao destino, mesmo que por poucos segundos em relação aos passageiros da frente. E na chegada, o que a esperaria? Não sabia dizer e nem queria pensar. O que deixava pra trás ainda tomava boa parte de seu pensamento. E nessa recaída de saudade, Maria apertou o neném contra o peito. Sorriu. Pelo menos poderia garantir o leite para seu filhote enquanto estivesse viva. Agradeceu a Deus pelos Seus favores às femininas, e agradeceu também pela sua vida que Ele haveria de manter sã até seu filho ganhar altura. Gostava de ter fé nisso, ainda que, às vezes, as circunstâncias lhe fizessem desacreditar de tudo. E entre os peitos da mãe e a cara vermelha da criança estava um terço que machucava o neném com os cravos de Jesus. Incomodado, o neném se remexeu, principiou um resmungo. A mãe começou então a cantar uma cantiga que aprendeu na infância com sua mãe, que aprendeu com a sua vó, que diz tê-la aprendido da biza. Assim acalmou o menino e um pouco de si mesma. A melodia lembrava-lhe a infância que, embora sofrida, fora uma infância de criança que brinca. Estudo também era importante para painho, um dos poucos que pensavam assim. E agora esperava colher o que plantou no passado nesta viagem que durou três sóis, mas que já não era tão sol quanto o de onde veio. Desceu do ônibus pensando nisso. O motorista ajudou a desembarcar a mala de Maria enquanto ela respirava o cinza, cor que nunca havia visto nem sentido antes, senão pelo preto desbotado das vestes de luto, e dos bancos empoeirados e encardidos do ônibus que fizeram o filhote espirrar. Em seguida, ele abriu a boca ainda sem dentes num sorriso, e ela quis acompanhá-lo, mas sentiu que estava esquecendo alguma coisa. Olhou para o lado, e lá estava a mala. Olhou pra trás, o ônibus já partia. Pôs então a mão no peito oco, agarrando com força o seio ressequido exceto pela água vermelha, que corria, e a branca, que alimentava. Logo soube o que havia esquecido: tinha deixado o coração lá na esquina da rua de casa, que serve de fim pras romarias.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Memórias

 figuras,
memórias   gravadas
            em músicas
       minúcias, sentimentos
gravados em objetos
      significado ao que não  tem valor
     nova dimensão,  outro    mundo
     acesso livre,     irrestrito
        gratuito,  profundo
       medidas         infinitas
              lembranças
que voltam
    tristes,         alegres
     neutras,    mascaradas
     espalhadas,            soltas
       que unem-se em registros
  momentos marcados
   que não marcam sua volta
     é o momento
                  e nada mais
pode ir, e voltar    nunca mais
  e se volta,     à casa torna
e nos sentimos em casa
             é foto
       que marca outro momento…
   são mais memórias.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Coisas Ordinárias

Tudo que me toca e me fascina,
pra mim parece poesia:
um jornal e uma xícara de café
a moça no parque vestida de azul,
a câmera na mão da menina,
o carteiro que passou e ninguém viu;

O açougueiro assobiando na rua,
e o balanço do salgueiro no outono;

É a partitura;
É a música;
É quem toca,
e quem escuta;

Um menino
lendo um livro
sentado à porta
de uma igreja;

É a sensação
de quando o sol se põe
num infinito de céu que escurece;

É um arco-íris enclausurado
numa bolha de sabão;

A mulher de olhar reticente,
e também o homem comprando passagens;

São os movimentos da mão;

O tlec-tlec da minha máquina de escrever
e o vaivém de pessoas e de trens 
na estação;

É o escuro, é o couro, é o mudo,
e o sangue, e o amarelo, e o funil.

E é tanta coisa bonita
que com tanta coisa rima
no sentimento e na grafia
que sei lá,
minha contemplação das coisas ordinárias 
toma tanto do meu tempo
que sei não,
devo ser tão ordinário quanto.